A Esperança De Ter Esperança

Por Luiz Schettini Filho

A esperança, ao contrário do que muitos pensam, não é coisa do futuro; é coisa do presente. Por uma razão simples: pelo fato de termos esperança é que agora – no presente – nos sentimos seguros e confiantes. A esperança modifica a configuração da atualidade.

Esperança é diferente de espera. Quem espera busca o de que não tem certeza, mas quem tem esperança tem certeza do que busca.

Nas relações de convivência, ao perdermos a esperança no que esperamos das pessoas, perdemos também o ânimo de lutar pelas ideias e pelos ideais que caracterizaram nossa individualidade. O grande acervo que dinamiza nossa vida pessoal é a esperança que construímos apesar das frustrações que o viver no mundo nos impõe.

Se atentarmos para nossos projetos pessoais, sobretudo no que diz respeito à causa da integração de crianças e adolescentes em um contexto familiar, a esperança comparece como insumo indispensável. Ninguém cresce em sua humanidade sem um olhar de amorosidade para os que enfrentam vicissitudes ao viver no mundo. Isso implica, entretanto, não somente o enfrentamento dos obstáculos naturais que atingem todos nós, mas também, e sobretudo, o encontro (ou desencontro) com a interpretação que as pessoas fazem do nosso comportamento. Quantas vezes fazemos o que achamos bom para o outro e dele ouvimos sobre o mal que lhe fazemos!

O viver se consubstancia em não abdicarmos da vida diante dos percalços inerentes ao mundo como o conhecemos. É nessa intersecção que surge a esperança. Sem esperança tendemos ao desespero. Nesse contexto não podemos esquecer a resposta do escritor e teatrólogo Ariano Suassuna quando ao ser perguntado sobre se era pessimista ou otimista, respondeu: “Não sou nem pessimista e nem otimista; sou um realista esperançoso”. Sábia resposta. A esperança não tem que nos desviar da realidade, mas sim absorvê-la para encontrar os caminhos da vida. Para crianças e adolescentes sem família, cabe a nós outros que entendamos o valor da convivência familiar e comunitária. Ainda mais: é importante redobrarmos a esperança de criar essa oportunidade para os que, provisoriamente, foram deserdados desse instrumento indispensável para o desenvolvimento humano.

Somos dependentes uns dos outros. Crianças e adolescentes são dependentes de nós que temos os instrumentos para ajudá-los nessa integração. Cada um de nós tem uma função nesse processo de amparo aos que estão fora do âmbito de uma família. E isso tem um tempo. Há coisas que estão vinculadas a um tempo. Não foi sem propósito que o sábio dos tempos bíblicos nos mostrou que “há tempo para todas as coisas debaixo do sol”. Há tempo de plantar e tempo de transplantar

A esperança da semente está no semeador. Somos semeadores e não simplesmente guardiães das sementes. Sementes de vegetais podem ficar séculos esperando para germinar. As “sementes” dos humanos não têm todo o tempo do mundo para se desenvolver. Elas têm “prazo de validade”. Para germinar como pessoas precisamos dos cuidados necessários e continuados; cuidados próprios e apropriados.

Não negamos que nós os humanos somos atingidos pelas dores do viver, mas também não negamos que há dores que fazem parte da cura. Sabemos, entretanto, que as dores que apontam para uma disfunção, podem ser as mesmas que inviabilizam a vida. “A dor faz gritar, mas a dor excessiva emudece”, nos disse a padre Antônio Vieira lá pelos idos de 1676. Séculos passaram e a observação continua a nos fazer pensar. Crianças e adolescentes que perdem a esperança perdem junto a vida a que têm direito.

A esperança é o linimento da dor da separação e do isolamento. A esperança que há em nós precisa chegar às crianças e aos adolescentes institucionalizados ou abandonados. Este seria um momento apropriado para perguntar: existem crianças abandonadas ou o que existe são crianças a quem nós abandonamos?

Não podemos desistir do Outro sem também desistir de um pedaço de nós mesmos. Crianças e adolescentes esperam por nós. Em qualquer circunstância em que não atendemos o olhar de quem nos olha acrescenta-se o montante de nossa responsabilidade. Não será preciso que o Outro peça ou implore nossa ação restauradora.

Ao mesmo tempo em que nossas expectativas têm a ver com crianças e adolescentes sem família, não podemos colocar sobre eles o peso de nossas esperanças. É preciso estarmos atentos ao fato de que há coisas que não se desenvolvem no indivíduo, mas sim entre os indivíduos. Isto é, há coisas que só passam a existir na relação entre as pessoas.

A esperança é o instrumento que conduz a dinâmica do mundo, mas, por outro lado, não precisamos nos desesperar quando as pessoas com quem convivemos não “aceitam” a nossa aceitação (Cf. Paul Tillich). Muitas vezes exigimos do outro de nossa convivência – sobretudo quando são nossos filhos – que aceitem e nos reverenciem porque a eles dedicamos o amor da nossa possibilidade. O amor não precisa necessariamente estar no outro, mas sim, obrigatoriamente em nós. Nisso se fundamenta a esperança. Enquanto amarmos haverá esperança. É animador atentar para a observação de Hannah Arendt: “Toda esperança traz consigo um medo, e todo o medo cura-se ao tornar-se a esperança correspondente”.

Se em algum momento nossa esperança enfraquecer, resta-nos a esperança de ter esperança. No final das contas, anima-nos o estímulo do poeta uruguaio Mario Benedetti: “Usa tuas esperanças como um sabre”.

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